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A revelação que vem do alto

Botticelli e o esoterismo gnóstico
Por Prof. Átila Soares Filho - colunista sobre Artes
Madona com o Menino e S.João Batista criança / Sterling and Francine Clark Art Institute, Williamstown.
Baseando-nos nas anotações do também pintor e contemporâneo Giorgio Vasari, vemos um Botticelli como talento espirituoso que, em sua maturidade desenvolveria um perfil notadamente místico. Para tal, vejamos algumas de suas obras-primas, como o “Retábulo Bardi” de 1485, ou “Palas e o Centauro”, provavelmente da mesma época; ou, ainda, a “Natividade Mística”, de 1500. Além do mais, Sandro costumava embutir poderes de talismã às várias de suas criações no intuito de trazer benesses ao lar onde se destinassem. De fato, coincidindo com o início da iconografia “joanita” do pintor, alguns estudiosos apontam que aquela produção passaria a se tornar mais “enigmática”. A razão seria a proximidade do ano 1500 quando, segundo certas interpretações da Cabala e à Astrologia, viria o fim do mundo. Aliás, o artista estava se acostumando a estudar as doutrinas gnósticas, em voga nos círculos mais intelectuais. Não obstante, em várias de suas pinturas marianas vemos um sol em formato de olho costurado no manto da Virgem à altura do ombro, típico da simbologia hermética. Este sol é o “Olho que a tudo vê”: Hórus segundo os egípcios, ou Deus-Pai na tradição judaico-cristã. A inclusão de raios e labaredas neste detalhe nos parece indicar a catequese da virgindade trina de Maria: pré-humanista, pré-neoplatônica e, provavelmente, aprendida com o monge dominicano Girolamo Savonarola, um extremista da cristandade que toma poder após a instalação da República de Florença. As três chamas - na verdade, estrelas – correspondem à condição de virgem no antes, no durante e no depois do nascimento de Cristo. Esta idéia pictórica remonta dos bizantinos, mas aqui, se limita à figura central do Sol-Pai. 

Mais tarde, a influência de Savonarola o conduziria a uma vertente mais austera em sua busca espiritual. Ora, era de conhecimento geral que Botticelli mantinha estreita amizade com o monge, sobretudo após certas predições suas lançadas contra os Médici terem, de fato, se concretizado nos anos 1490 – de que seriam expulsos do controle da cidade. Provavelmente outras profecias - não menos terríveis - de Savonarola também contribuíram para o misticismo de Botticelli. Os constantes e ferozes ataques do monge contra o Papa Alexandre VI (Rodrigo Borgia) ainda serviriam para piorar um ambiente já cheio de tensão, à mesma proporção em que a autoridade e temor pelo dominicano crescia. Sandro chegara a adotar a meditação como conduta de vida... e a tornar-se mais introspectivo. 

Na verdade, não podemos falar no fenômeno do Renascimento italiano sem considerar esta “revisão espiritual” patrocinada pela importação de contingentes de gregos fugidos da invasão turca à Constantinopla em 1453. Dentre eles havia Gemistos Plethon (considerado a própria encarnação de Platão) cujos discursos e ensinamentos ocultos vêm a impressionar os poderosos Medici. Estes, por sua vez, contratam o filósofo Marsílio Ficino para traduzir integralmente textos gregos que eram base das ideias de Plethon. Ficino ainda fundaria a Academia de Careggi em Florença nos moldes das de Pitágoras e de Platão. Queria-se fazer nascer um novo Homem, o qual fosse capaz de enxergar a Criação e a realidade das coisas de maneira multifacetada. Michelangelo, na busca pela beleza divina, é um bom exemplo.


O FATOR ESSÊNIO

Analisando a iconografia do artista, em termos de estrutura, identificamos, com muita freqüência, dois fatores interligados tendo o gnosticismo essênio como coluna: a presença de São João Batista; e a representação da típica montanha dos desertos da Judéia atrás de si, a qual remete à idéia de fuga dos antigos padres e onde os essênios criaram uma sociedade a 170 a.C. Ora, o fato de que João Batista fosse um membro da seita dos essênios foi algo levado muito a sério desde sua morte no século I – talvez, a 30 d.C. -, e considerado quase um dogma, especialmente entre algumas filosofias orientais que alcançariam a contemporaneidade. Tal teoria, além da tradição, ganhou força após a descoberta do Evangelho dos Doze Santos em 1880, e do Evangelho Essênio da Paz em 1923. Atualmente, historiadores e críticos se dividem, apoiando ou não a idéia do Batista essênio, mas o que isto tudo tem a ver com Botticelli? Na verdade, a filosofia de vida atribuída ao Batista cruza com vários pontos de referência deixados pelo modus vivendi do artista. Por exemplo, ignora-se por completo que ele tivesse tido filhos, ou, mesmo, uma parceira. Pois, caso houvesse ocorrido algum envolvimento sentimental “regular” em sua vida, não há razões aparentes para que isto nunca fosse revelado pelas suas belas imagens femininas... ou textualmente. Esta peculiaridade foi até capaz de gerar uma acusação de homossexualismo contra o pintor após a morte de Savonarola, mas nada nunca foi comprovado. Note que também os essênios praticavam o celibato na busca extrema à purificação corporal. 

O Codex Romanoff de Leonardo da Vinci nos informa, ainda, que Botticelli era vegetariano – como os essênios. Estes, em relação ao Reino Animal, apenas se alimentavam de peixes com reprodução assexuada, “imaculada”, e ainda vivos. A razão é que, assim, os mesmos não estariam comendo matéria morta, uma impureza. Somado a isto, também há todo um aspecto místico em sua personalidade que se entrelaça à figura do Batista. Este, patrono de Florença desde a invasão longobarda em 570, quando substituiu a figura do deus Marte, porém, conservando a qualidade de personalidade valente. Tal capítulo foi testemunha do intenso fervilhar do desenvolvimento do culto aos mártires: seria o estabelecimento das relações Céu - Terra uma das questões fundamentais do cristianismo. Os próprios locais de sepultura dos mártires viriam a se transformar em centros religiosos no Ocidente. De fato, o período que compreende o espaço entre a crise do Feudalismo e o advento da Renascença é considerado como o auge da presença do Mal no imaginário europeu entre os séculos XIV-XVI.

A peculiaridade referida neste estudo aponta para a busca de um modelo visual que coloca São João Batista à frente de uma montanha escarpada e de aspecto desértico na paisagem, praticamente em todas as suas ocorrências. Ora, em sua produção, Botticelli teria realizado aproximadamente 184 obras, onde vinte e duas pinturas representando a figura de São João Batista. Dezessete seriam com paisagem e, destas, catorze seguindo o modelo da montanha desértica – ou seja, o evento se repete numa freqüência acima de 82%. Tal verificação sugere uma ligação com a gnose e os essênios, num recurso de se estabelecer novo grau de importância à figura do santo - não obstante, padroeiro de Florença e, juntamente com São João Evangelista, um pilar de algumas das antigas seitas cristãs do início dos séculos I e II que se perpetuariam ainda por séculos afora incluindo a Idade Média e a Renascença. 

O Prof.Átila Soares da Costa Filho é designer e especialista em Filosofia, História e Antropologia. Também é autor de A JOVEM MONA LISA e de LEONARDO E O SUDÁRIO.

REFERÊNCIAS:
DELUMEAU, Jean. A História do Medo no Ocidente (1300-1800): uma cidade sitiada. São Paulo: Cia. das Letras, 1989.
MANDEL, Gabriele. The Complete Paintings of Botticelli. Introdução de Michael Levey. Harmonsworth: Penguin Books, 1985.
VASARI, Giorgio. Vidas de pintores, escultores y arquitectos ilustres. Buenos Aires: El Ateneo, 1945. Leitura selecionada: Vida de Botticelli.

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